quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Caruaru: um desadoro de feira!



Poema contemplado com o 1º lugar no I concurso de literatura de cordel do IPHAN.

Nas entranhas do nordeste,
Bem mais que mandacaru,
Carcaça seca de vaca,
Sol a pino e urubu,
Há um cenário de sonho;
Um país rico e risonho
Chamado Caruaru.

Situada em Pernambuco,
Essa imensa capital
Do forró e do agreste,
Na pedra fundamental,
Tem um nome que reluz:
“Zé Rodrigues de Jesus”,
Fundador oficial.

Há mais de duzentos anos,
Quando tudo começou,
Já se sabia de cara
Que a vila daria show;
Irrompendo no horizonte,
Cresceu abraçada ao monte
Que O Bom Jesus modelou.

E junto com a cidade,
Veio à luz a sua feira
E com ela: o ceramista,
O artesão, a rendeira,
O marchante, o sapateiro,
A doceira, o verdureiro,
O mascate, a costureira...

A feira se esparramava
Pela São Sebastião,
Lá na Quinze de novembro
Contornava a Conceição,
E a passagem era “apertada”
Pelo Beco da mijada,
Atual Integração!

Descendo pro lactário,
A coisa era complicada,
Já na Tobias Barreto
Tomava toda a calçada;
Só ia ficando tola
Lá da rua da cebola
Para a passagem molhada.

Pela Saldanha da Gama,
Na Rua do sapateiro,
Pegando o açougue antigo
E “Os Guararapes” inteiro,
Era feira, e inda tinha.
O mercado de farinha
E o Beco do Raizeiro.

Se não me falha a memória,
Só foi em noventa e dois
Que a feira mudou pro parque
(O mês, eu lembro depois).
Só não foi remanejada
Pra área acima citada,
A dita feira de bois.

Mas, a feira da farinha
Ganhou um mercado novo,
Um açougue mais moderno
Foi construído pro povo
Ali onde se desloca
Pra dita “feira do troca”,
Por onde, às vezes, me movo.

E não só a feira livre,
Também receberam tratos,
A feira de importados,
Como a de artesanatos
E aquela que alavanca
Caruaru, a sulanca,
Que é de roupas e sapatos.

Espalhado nos quarenta
Mil metros (metros quadrados)
De palco, é um show de feira
Vindo de todos os lados,
Onde rostos conhecidos
E estranhos são unidos
Pro mosaico ser formado.

É esse o Parque dezoito
De maio, Pátio da feira,
Como ficou conhecido
Pela região inteira,
Com seus toldos misturados
Quais retalhos costurados
Formando uma só bandeira.

Misturam-se bugigangas:
Concha de coco, gamela,
Bacia pra lavar louça,
Pote, tampa de panela,
Casinha pra papagaio,
Cangalha, sela, balaio,
Pimenta, cravo e canela.

Gaiola, chapéu de palha,
Botina para vaqueiro,
Buchada, queijo de coalho,
Cocada no tabuleiro,
Tapioca, tanajura,
Talagada com fritura,
Tamborete e tabaqueiro.

Tamanco, trempe, tarrafa,
Tripa de porco, toscana,
Tempero, fumo de rolo,
Pastel e caldo de cana,
Ratoeira, rapadura,
Corda de toda grossura,
Jaca e penca de banana.

Piaba, pé de pinhão
Para espantar mau-olhado,
Pimenta brava e de cheiro,
Maxixe, bucha, machado,
Enxada, foice, chibanca,
Caçuá, cocho, carranca,
Ferro de brasa e pescado.

Cadeado, candeeiro,
Cadeirinha de balanço,
Coleira, carro de mão,
Renda, rede pra descanso,
Urupemba, trancelim,
Perfume, peça de brim,
Pente pantera e avanço.

Tem broa, colher de pau,
Torneira, vara de cano,
Caniço, pé-de-moleque,
Boneca feita de pano,
Mel de abelha, meia fina,
Vaporub, brilhantina,
Rolo de massa e abano.

Tem ralo para pamonha,
Marisco pra ralar coco,
Foguete e “peido de véia”
(Só se escuta o pipoco),
Pitomba, jaboticaba,
Garrafada e catuaba
Pra quem anda no sufoco.

Tem rosário de coquinhos,
Chocalho, relho e espora,
Raiz e casca de planta
Pra frieira e catapora,
Milho seco pra debulha,
Tesoura, linha e agulha
Pra quem costura pra fora.

Artesanato de barro,
Que Vitalino legou,
Peixeira... tudo o que é tralha,
Somado ao que já falou
(Numa lista mais completa)
Onildo Almeida, o poeta,
E Gonzaga imortalizou!

A feira, reconhecida
Por sua diversidade,
Já não cabe nos limites
Fronteiriços da cidade;
Cada vez mais aparece
E o mundo inteiro conhece
Sua grandiosidade.

É que, no ano passado,
Numa decisão segura,
O IPHAN, em nome do
Ministério da cultura,
Encerrando outro capítulo,
Concedeu-lhe mais um título,
Pela tanta envergadura.

E se já era a maior
(O que não é novidade)
E também a mais ilustre,
Foi eleita, de verdade,
Patrimônio cultural;
Um bem imaterial...
E por unanimidade!

Os membros do Instituto
Do Patrimônio, o IPHAN,
Ficaram tão encantados
Com a feira campeã,
Que, não só a elegeram,
Como a ela se renderam,
Cada um fez-se seu fã.

A feira de artesanatos;
A “do troca” e a de gado;
A dita ”do Paraguai”,
Onde tudo é importado;
A sulanca e a das flores;
A de ervas; e os verdores
E frutas do mesmo lado,

Mais o mercado de carnes,
O mercado de farinha
E um monte de mini-feiras
Enchendo a área inteirinha
De bancos e de pessoas,
Destinos, sonhos e loas
E histórias que nem a minha.

Tem coisas que se confundem
Com a alma dessa feira;
Imagens que quando vemos,
Temos, de certa maneira,
A ligeira impressão
De voltar à emoção
Sentida na vez primeira.

Por exemplo, o bom perfume
De uma morena brejeira
Que passa rebolativa,
Dengosa, bela e faceira,
Dosando manha e pirraça,
Desfilando sua graça
Na passarela da feira,

A figura de um matuto
De barba rala, franzino,
De bota, chapéu de couro,
Camisa de pano fino,
Botando a mão na sacola
Para trocar uma esmola
No sorriso de um menino.

O som do alto-falante
Daquele prédio rosado
Bem no meio da sulanca,
Tangendo pra todo lado
A voz doce de Azulão
Lembrando numa canção
“Caruaru do passado”.

O ébrio de fim de feira;
O hippie cheio de manha;
O desconto que se pede,
O sorriso que se ganha;
O vulto magro e banzeiro
De Leonel do pandeiro
Indo pra Vila Castanha.

O grito do carroceiro
Repetindo: “Olha o pesado!”;
O cartaz que anuncia
Cuscuz com bode guisado;
A pinga com passarinha
Espojada na farinha,
Na barraca do chegado.

O personagem grotesco
Que se exibe no papel
Vestido de cangaceiro,
Dama, padre ou coronel,
Que, pela xilogravura
De Dila, virou figura
No livreto de cordel.

Uma ave que desliza
Na brisa leve e ligeira,
Projetando em nossa mente,
Qual a imagem altaneira
De um condor pelos Andes,
Seu Olegário Fernandes
Pairando por sobre a feira.

A imagem da bandinha
De pífanos, ali do lado
Daquele velho de pedra
Com um saco dependurado,
Resistindo ao modernismo
Crescente e ao vandalismo
De quem é desocupado.

A feira de artesanato
É um capítulo à parte:
Bonecos de toda sorte
Feitos com esmero e arte;
O que buscaste e não viste,
Com certeza, não existe
Nem na terra nem em marte.

Lá tem cachorro de gesso,
Arara, louro e tucano,
Toalha pra flamenguista,
Calção pra corintiano,
Quadro, foto da cidade...
E o turista, com saudade,
Retorna no outro ano!

Tem garrafa de cachaça,
Dessas que tem um caju;
Biscuit feito de massa,
Com o escrito: “I love you”,
Lembrança (no pedestal)
Da internacional
Feira de Caruaru.

Tem garrafinha de bolso
Pra garantir o entorno:
“Pau dentro”, “Cipó barbado”,
“Nabunda” e “Amansa corno”;
Essa derradeira é quente
E acalma “cabra” valente
Que não aceita o adorno.

Tem bacanal de bonecos
Com mão pra tudo o que é lado,
Caixão em miniatura
E dentro um sujeito armado,
Tem até, para quem gosta,
Barro simulando bosta,
Pra presentear cunhado.

Por essa pluralidade
De artigos e maneiras,
E pela perseverança
Dessas pessoas guerreiras,
Fez-se rica e importante
Essa feira tão gigante,
Formada por tantas feiras.

Trazer a alma ao nordeste,
É tomar suco de umbu;
Graviola; manga-rosa;
Mangaba; mel de uruçu...
Lambuzar-se em verso e prosa
Nas delícias da famosa
Feira de Caruaru!

Essa fábrica de artes
E cultura, esse celeiro,
Exportando a boa imagem
E os frutos pro mundo inteiro,
Seguirá sendo bem vista;
Boa imagem traz turista
E o turista traz dinheiro.

Transitando, esse turista,
Por esse imenso terreiro,
Como pedra que se move
Num enorme tabuleiro,
Não só pousa no cenário,
Mas, torna esse relicário
Conhecido no estrangeiro.

E você, que é feirante,
Sua imagem, companheiro,
É peça dessa engrenagem;
Semente nesse canteiro;
É bem imaterial;
Patrimônio cultural
Deste solo brasileiro!

Luciano Dionísio